O caso das Bruxas de Salem e a origem do plea bargaining norte-americano: contrapondo o entendimento dicotômico dos sistemas processuais penais

Autores

DOI:

https://doi.org/10.22197/rbdpp.v6i2.323

Palavras-chave:

Plea bargaining, Inquisitório, Bruxas de Salem, Acusatório, Sistemas processuais penais.

Resumo

A questão que move o presente artigo é: pode o plea bargainingnorte-americano ter sido originado por meios considerados pela doutrina contemporânea como predominantemente "inquisitórios"? Em caso afirmativo, e considerando que 95% dos casos naquele país se resolvem pelo plea bargaining, faz sentido seguir dizendo que o sistema processual penal dos Estados Unidos da América seja "acusatório"? E mais: desconstruídos os rótulos que predominam na doutrina em torno desse tema, faz sentido insistir no emprego da dicotomia dos sistemas processuais penais, em acusatório versusinquisitório, notadamente na discussão da adoção de modelos processuais inspirados no plea bargainingnorte-americano? Essas perguntas pretendem ser respondidas a partir da reconstrução histórica do plea bargainingnos Estados Unidos, o que remonta à sua colonização puritana, seu apego a disputas econômicas e às práticas introduzidas no século XVII, cuja expressão primitiva se encontra no famoso julgamento das “bruxas de Salem”, em Massachussets. O artigo, então, explora como as coisas se deram nesse caso, identificando a semelhança entre os métodos utilizados no julgamento das bruxas de Salem e no moderno plea bargaining.A tortura física e psicológica, esta vinculada à possibilidade de duras penas, que atemorizavam os acusados de heresia nos processos da inquisição medieval, assim como a sua parca possibilidade de defesa, também foram encontradas nos julgamentos das bruxas de Salem. Assim, o que se percebe é que se perpetuou um modelo de justiça criminal tachado como "inquisitorial" pela transmissão cultural, como uma herança medieval em parcelas do processo penal norte-americano. Isso evidencia que não há rigidez conceitual acerca dos sistemas processuais penais contradizendo significativa parcela da doutrina contemporânea que segue se apegando à dicotomia inquisitório versusacusatório. E permite avançar para, desvinculando-se dessa amarração dicotômica doutrinária, que é própria das pretensões de organização científica do século XIX na Europa, e que de lá para cá vem promovendo uma visão dualista e que não aceita enxergar nada para além dos rótulos antagônicos de inquisitório ou acusatório, indagar se é conveniente, ou não e em que termos à luz da Constituição da República de 1988, adotar-se, no Brasil modelos inspirados no plea bargainingestadunidense. 

Downloads

Os dados de download ainda não estão disponíveis.

Biografia do Autor

  • Sarah Ribeiro, Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná – Curitiba/PR
    Cursando pós-graduação e especialização de Direito na Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná, e, em Penal e Processo Penal na Universidade Curitiba. Graduada em direito na Universidade Positivo. Cursando filosofia na faculdade Claretiano.
  • Rodrigo Régnier Chemim Guimarães, Universidade Positivo
    Doutor em Direito de Estado pela Universidade Federal do Paraná. Professor Titular de Direito Processual Penal da Escola de Direito e do Programa de Mestrado Profissional em Direito da Universidade Positivo. Procurador de Justiça do Ministério Público do Estado do Paraná.

Referências

ALSCHULER, Albert W. Plea Bargaining and Its History. Columbia Law Review. Vol. 79, nº 01, p. 01-43, Jan 1979.

ANDERSON. Robert Charles. The great migration. Volume VI. Boston, 2009.

BARKOW, Rachel E. Separation of Powers and the Criminal Law. Stanford Law Review, Stanford, v. 58, n. 4, p. 989-1054, fev. 2006.

BEAUMANOIR, Philippe de. Les Costumes de Beauvoisis. Nouvelle editión, publié d’aprés le manuscrits de la bibiotheque royale. Paris: Jules Renouard, 1842.

BIENER, Friedrich August. Beiträge zu der Geschichte des Inquisitionsprozesses und der Geschworenengerichte. Leipzig, 1827.

BOYER, Paul. NISSENBAUM, Stephen. Salem Possessed: The Social Origins of Witchcraft. Massachussetts: Harvard University Press, 2003.

BROOKS, Rebecca Beatrice. History of the Salem witch trials. In: History of Massachusetts, 2011. Disponível em: http://historyofmassachusetts.org/the-salem-witch-trials/ acesso dia 26 de julho de 2019.

BURKE, Alafair S. Persecutorial Passion, Cognitive Bias, and Plea Bargaining. Marquette Law Review, 183, vol. 91, Issue 1. Symposium: Dispute Resolution in Criminal Law, article 9, 2007.

DAVID, René. Os Grandes Sistemas do Direito Contemporâneo. Tradução de Hermínio A. Carvalho. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

DE BONI, Luis Alberto. Escritos Seletos de Martinho Lutero, Tomás Müntzer e João Calvino. Tradução de Ilson Kayser, Martin N. Dreher, Helberto Michel, Arno F. Steltzer e Sabatini Lalli. Petrópolis: Vozes, 2000.

DELUMEAU, Jean. O Pecado e o Medo: A culpabilização no Ocidente (Séculos 13-18), vol. II. Tradução de Álvaro Lorencini, Bauru, SP: EDUSC, 2003.

CALVINO, João. Série Comentários Bíblicos - Gêneses. Volume 1, Editora: CLIRE, 2018.

CAMARGO DE CASTRO, Ana Lara. Plea Bargain: resolução penal pactuada nos Estados Unidos. Belo Horizonte: D'Plácido, 2019.

CARBASSE, Jean-Marie. Histoire du droit penal et de la justice criminelle, 2ª editión refondue. Paris: Presses Universitaires de France, 2009.

CARMIGNANI, Giovanni. Teoria delle leggi della sicuritezza sociale. Tomo IV, Pisa: Fratelli Nistri, 1832.

CARRARA, Francesco. Programma del Corso di Diritto Criminale, Parte Generale. Vol. II, 9ª ed., Firenze: Casa Editrice Libraria “Fratelli Cammelli”, 1902.

CONDÉ, Maryse. Eu, Tituba – bruxa negra de Salem. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 2019.

DEZZA, Ettore. Accusa e Inquisizione nell’Esperienza Italiana Contemporanea. In: NEGRI, Daniele e PIFFERI, Michele (org.) Diritti Individuali e Processo Penale nell’Italia Repubblicana. Materiali dall’incontro di studio Ferrara, 12-13 novembre 2010. Per la storia del pensiero giuridico moderno, 93, Milano: Giuffré Editore, 2011, pp. 101-116.

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. The Lawes and Liberties of Massachusetts. In: Online Library of Liberty, 1647. Disponível em https://oll.libertyfund.org/pages/1647-laws-and-liberties-of-massachusetts, acesso em 13 de abril de 2020.

ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA. United States – Mass, 95 (1804), Commonwealth v. Bettis. In: Caselaw Acess Project. Harvard Law School. Disponível em: <https://cite.case.law/mass/1/95/>. Acesso em: 29 dez. 2019.

FEELEY, Malcolm M. Plea Bargaining and the structure of the criminal process. The Justice System Journal, v. 7, n. 3, p. 338-354, January,1982.

FONSECA, Carlos da. Deus está do nosso lado: excepcionalismo e religião nos EUA. Rio de Janeiro: artigo Scielo, maio 2006.

ESMEIN, Adhemar. Histoire de la procédure criminelle en France: et speciélment de la procédure inquisitoire depuis le XIII siecle jusqu’a nos jours. Paris: L. Larose et Forcel Libraires-Editeurs, 1882.

FISCHER, George. Plea Bargaining’s Triumph: a history of plea bargaining in America. Stanford, California: Stanford University Press, 2003.

GANDINUS, Albertus. Strafrecht der Scholastik. Von KANTOROWICZ, Hermann U., Berlin: J. Guttentag, 1907.

GARLATI, Loredana. Per um storia del processo penale: le pratiche criminali. Rivista italiana di storia del diritto, vol. LXXXIX, 2016, pp. 71-109.

GILISSEN, John. Introdução Histórica ao Direito. 4ª ed., tradução de A.M. Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2003.

GLOECKNER, Ricardo Jacobsen. Um “novo” liberalismo processual penal autoritário? In: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (org.). Plea Bargaining. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2019, p. 177-190.

GRIFFITHS, Megan Rose. Radicals, conservatives, and the Salem witchcraft crisis: Exploiting the fragile communities of colonial New England. Tese. Leiden University, 2017. Disponível em https://openaccess.leidenuniv.nl/bitstream/handle/1887/49589/MeganGriffithsMAThesis.pdf?sequence=1, acesso em 11 de abril de 2020.

GRINOVER, Ada Pellegrini. A Iniciativa Instrutória do Juiz no Processo Penal Acusatório. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 07, nº 27, p. 71-79, julho-setembro de 1999.

GUIMARÃES, Rodrigo Régnier Chemim. A Atividade Probatória Complementar do Juiz como Ampliação do Contraditório e da Ampla Defesa no Novo Processo Penal Brasileiro. Tese. Curitiba: UFPR, 2015, disponível em https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/41025/R%20-%20T%20-%20RODRIGO%20REGNIER%20CHEMIM%20GUIMARAES.pdf?sequence=2&isAllowed=y, acesso em 09 de janeiro de 2020.

HÉLIE, Faustin. Traité de l’instruction criminelle ou Théorie du Code d’Instruction Criminelle. Premiére partie. Histoire et théorie de la procédure criminelle. Paris: Charles Hingray Libraire-Editeur, 1845.

KELLY, John M. Uma Breve História da Teoria do Direito Ocidental. Tradução de Marylene Pinto Michael. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

LANGBEIN, John H. Torture and Plea Bargaining, The University of Chicago Law Review, Chicago, v. 46, n. 3, p. 03-22, 1978.

LANGER, Maximo. Dos Transplantes Jurídicos às Traduções Jurídicas: a globalização do plea bargaining e a tese da americanização do processo penal. Delictae, vol. 2, nº 3, p. 19-115, julho-dezembro de 2017. https://doi.org/10.24861/2526-5180.v2i3.41

LOPES JR. Aury; PACZEK, Vitor. Plea Bargaining no projeto "anticrime": remédio ou veneno? In: GLOECKNER, Ricardo Jacobsen (org.). Plea Bargaining. São Paulo: Empório do Direito e Tirant Lo Blanch, 2019, pp. 149-174.

MECCARELLI, Massimo. El proceso penal como lugar de determinación de la justicia. Algunas aproximaciones teóricas en la época del ius commune, In: GALAN LORDA, Mercedes (Directora), Gobernar y administrar justicia: Navarra ante la incorporación a Castilla. Navarra: Tompsom Reuters, Aranzadi, 2012, pp. 307-323.

MIRANDA COUTINHO, Jacinto Nelson de; MURATA, Ana Maria Lumi Kamimura. Plea bargaining à brasileira. Boletim Ibbcrim, nº 317, abril de 2019.

MITTERMAIER, Carl Joseph Anton. Tratado da Prova em Matéria Criminal. Tradução para o francês da 3ª edição (1848), de C.A. Alexandre e para o português de Herbert Wüntzel Heinrich. Campinas: Bookseller, 1997.

MORAIS, Gabriela de Souza. Os processos de Salem: uma breve análise da sua historiografia, memórias e representações. Curitiba: Cadernos de Clio, 2015.

PESSINA, Enrico. Storia delle leggi sul procedimento penale. Napoli: Dott. Pirro Pirrone Editore, 1912.

PIERANGELLI, José Henrique, Processo Penal: evolução histórica e fontes legislativas. Bauru: Jalovi, 1983.

RAUXLOH, Regina. Plea Bargaining in National and International Law. New York: Routledge, 2014.

ROACH, Marilynne K. The Salem Witch Trials. A day-by-day chronicle of a Community under siege. New York: Taylor Trade Publishing, 2004.

ROACH, Marilynne K. Six Women of Salem. The untold story of the accused and their accusers in the Salem Witch Trials. Boston: Da Capo Press, 2013.

RONCO. Alessandra. Il processo penale nella legislazione tardo imperiale. Tese. Universidade de Padova, Itália, 2008.

ROSENTHAL, Bernard (General Editor). Records of the Salem Witch-Hunt. New York: Cambridge University Press, 2014.

SBRICOLI, Mario. “Vidi Communiter Observari”. L’emerzione di un ordine penale pubblico nelle città italiane del secolo XIII. In: Quaderni Fiorentini, XXVII. Centro studi per la storia del pensiero giuridico moderno. Firenze: Università degli Studi di Firenze, 1998, pp. 231-268

SCHÜNEMANN, Bernd. Crítica al modelo norteamericano de processo penal. In: SCHÜNEMANN, Bernd. Obras. Tomo II. Colección Autores de Derecho Penal. DONNA, Edgardo Alberto (Director), Buenos Aires: Rubinzal-Culzoni Editores, 2009, pp. 427-450.

SOUBBOTNIK, Michael A. Poder, autoridade e codificação das leis na "Cidade na Colina”: a Baia do Massachusetts entre 1630 e 1648. Université Paris-Est-UPEM, 2013, vol.30.

STITH, Kate. The Arc of Pendulum: Judges, Prosecutors, and the Exercise of Discretion. Yale Law School Legal Scholarship Repository, New Haven, nº 117, p. 1420-1497, 2008.

UPHAM, Caroline E. Salem Witchcraft in ouline. 2º ed. Massachussetts: Duke University Library, 1891.

VALLERANI, Massimo. Procedura e giustizia nelle città italiane del basso medioevo (XII-XIV secolo). In: CHIFFOLEAU, Jacques; GAUVARD, Andrea Zorzi (org.). Pratiques Sociales et Politiques Judiciaires dans les Villes de L’Occident à la Fin du Moyen Age. Publications de l’École française de Rome, 2007, pp. 439-494.

VASCONCELLOS, Vinícius Gomes de. Barganha do Processo Penal e o autoritarismo “consensual” nos sistemas processuais penais: a Justiça negocial entre a patologização do acusatório e o contragolpe inquisitivo. Revista dos Tribunais, 953, março de 2015, pp. 261-279.

WATSON, Duncan. The Attorney General’s Guidelines on Plea Bargaining in Serious Fraud: Obtaining Guilty Pleas Fairly? The Journal of Criminal Law. Vol. 74, Edição 1, p. 77-90, fevereiro de 2010.

WOODWARD, W. Elliot. Records od Salem witchcraft – copied from the original documents. Vol. II. Roxbury, Massachussets: Privately printed for W. E. Woodward, 1864. Disponível em https://babel.hathitrust.org/cgi/pt?id=nyp.33433005881358&view=1up&seq=15, acesso em 16 de abril de 2020.

Downloads

Publicado

27.06.2020

Edição

Seção

Fundamentos de Direito Processual Penal

Como Citar

Ribeiro, S., & Régnier Chemim Guimarães, R. (2020). O caso das Bruxas de Salem e a origem do plea bargaining norte-americano: contrapondo o entendimento dicotômico dos sistemas processuais penais. Revista Brasileira De Direito Processual Penal, 6(2), 835-872. https://doi.org/10.22197/rbdpp.v6i2.323