Institucional

Apresentação

O ano era 1941. Em pleno Estado Novo, regime político inspirado na ditadura portuguesa de Salazar, o Brasil, então governado por Getúlio Vargas, firmava seu compromisso, junto aos Estados Unidos da América, de entrar na II Guerra Mundial. Grandes manifestações cívicas e patrióticas eram promovias pelo governo. A imprensa, por sua vez, era censurada sem pudores. Militantes ligados aos movimentos comunistas, como Luis Carlos Prestes, e intelectuais, como Monteiro Lobato, eram presos por manifestações públicas contrárias ao governo. Pois justamente em meio a esse turbilhão político-social, sob a égide da denominada Constituição Polaca, de 1937, há exatos 59 anos, em 03 de outubro de 1941, era sancionado o Código de Processo Penal brasileiro – Decreto-Lei n. 3.689/41 – que entraria em vigor em 1º de janeiro de 1942 e assim permaneceria por longo período, atravessando – e se adaptando com –  os mais variados regimes políticos, desde a ditadura militar das décadas de 1960 e 1970, até a democracia instaurada pela Constituição Federal de 1988.

Ainda hoje, pois, a legislação processual penal vigente traz consigo, arraigada nos mais variados dispositivos legais do Código de Processo Penal, a marca inquisitorial típica do período político em que foi gestada, sob forte influência do Código Rocco italiano, de 1930, e também traços claros da antiga estrutura ordenatória característica do processo canônico, mantida, ainda que disfarçadamente, pelo Código Napoleônico de 1808, o qual, embora tenha introduzido o contraditório na fase judicial, manteve a fase pré-processual tipicamente inquisitória, permitindo ao juiz utilizar a prova colhida na investigação para condenar o réu, o que levou Ferrajoli a defini-lo como un monstruo nacido de la unión del proceso acusatorio con el inquisitivo, que fue el llamado proceso mixto

Pois agora, ainda principiando o século XXI, entra em pauta a necessidade de adequação da legislação processual penal aos ideais democráticos da Constituição Federal aprovada há 22 anos. Como lembra Goldschimdt, “os princípios da política processual de uma nação não são outra coisa que segmentos de sua política estatal em geral.” Exemplo disso foram as reformas (?) parciais aprovadas pelo Congresso Nacional em 2008 – Leis 11.689, 11.690 e 11.719, e também a nomeação de uma comissão de juristas, pelo Senado Federal, para a elaboração de um anteprojeto de reforma global do Código de Processo Penal, o que culminou no Projeto de Lei 156/2009, em tramitação na referida Casa legislativa. O momento é, então, propício para pensar o Direito Processual Penal.

Engajados nesse intuito, de pensar e refletir o futuro do processo penal brasileiro, alunos e professores do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUCRS, capitaneados pelo Professor Dr. Nereu José Giacomolli, deram início às atividades do Grupo de Estudos em Processo Penal contemporâneo, donde resultou a ideia de criação de um instituto orientado especificamente ao estudo da temática processual penal. É, então, fundado o Instituto Brasileiro de Direito Processual Penal – IBRASPP –, que ora se apresenta ao público acadêmico e profissional.

Tendo como principais finalidades promover o debate público entre os mais variados atores jurídicos e fomentar o desenvolvimento do ensino, de pesquisas e de estudos relacionados ao direito processual penal e demais áreas do conhecimento que com ele possam se relacionar, o IBRASPP toma por base a compreensão de que um processo penal compatível com um Estado Democrático de Direito pauta-se por alguns princípios basilares, dentre os quais merecem destaque a presunção de inocência, a imparcialidade, o contraditório e a ampla defesa. Isso tudo porque do sistema político democrático decorre a imprescindibilidade da humanização do processo penal.

A ideia, ainda embrionária, é, enfim, romper com as barreiras cartesianas e deterministas que hoje governam a temática processual penal e conduzem seu debate a uma pobre reflexão dogmática. A ideia é agir, e não apenas refletir. É admitir a transdisciplinariedade como instrumento de abertura da ciência processual penal à complexidade característica da sociedade atual, aceitando a contribuição de outros ramos das ciências ao aperfeiçoamento do Direito Processual Penal.

Isso tudo, porém, depende, antes de mais nada, da democratização dos debates, da participação ativa e efetiva dos mais variados atores jurídicos, tanto profissionais quanto estudantes, vinculados ou não ao âmbito acadêmico, mas que, a sua maneira, estejam preocupados com o futuro processo penal que começa a ser desenhado nesse início de século e que, para nós, deve estar alicerçado, sobretudo, na principiologia do Estado Democrático de Direito.